É uma ideia irresistível, não é, vestir-se como uma personagem de um romance da Jane Austen, participar de um bom jantar, ir à um baile e se apaixonar completamente pelo Mr. Darcy? (Uma ideia tão irresistível que é exatamente a premissa do filme "Austenlândia"). Jane Austen foi uma escritora cômica moderna; Ela não escreveu romances históricos, mas zombou da sociedade em que vivia. De fato, treze anos depois de ter escrito "A abadia de Northanger", Jane se irritou com o atraso da publicação e adicionou um pedido de desculpas dizendo que "lugares, maneiras, livros e opiniões" haviam mudado.
Jane Austen inventou histórias sobre as maiores características dessa sociedade. Era o que ela sabia de melhor. A sua obra se centra na noção romântica do namoro, no amor, no casamento e na necessidade prática das mulheres das classes mais altas se casarem, uma vez que não poderiam trabalhar para se sustentar sem perder o status social. O casamento era, na maioria das vezes, algo financeiro para manter a riqueza e a posição social de uma família e não uma união afetiva entre duas pessoas.
A enorme lacuna entre os ricos e os pobres espalhou o crime, desencadeado pela pobreza e pela fome. A Inglaterra em que Jane Austen viveu foi muito mais brutal, suja e macabra do que a que ela mostra em seus livros. Seus personagens privilegiados de classe média viajam de Londres para suas propriedades rurais, ou então vão para Bath ou para o litoral em Lyme. Tudo parece muito adorável. Dada a chance, quem não iria querer ir ao baile? Mas cuidado com o que você deseja. As chances são de que você seria uma serva, preparando a comida ou carregando as velas, trabalhando por horas intermináveis e sem ninguém pra te acompanhar na pista de dança.
Aqui vão os motivos para que você não faça essa viagem no tempo - e continue apenas lendo os livros:
1 - CASAMENTOS FORÇADOS
A igreja medieval em Ringland (Norfolk) é um glorioso local de um casamento na época de Jane Austen, mas nem todas as cerimônias eram alegres e românticas. De acordo com o "Bastardy Act" de 1733, qualquer mulher pobre, solteira e que estivesse grávida era obrigada a dizer o nome do pai, que então era preso e forçado a se casar com ela. Em janeiro de 1787, o clérigo James Woodforde escreveu: "Fui até Ringland essa manhã e casei Robert Astick e Elizabeth Howlett, sendo que o homem estava preso porque a mulher estava esperando um filho dele. Demorou um tempo para convencê-lo a se casar com ela e no altar ele manteve um comportamento muito impróprio". Não é a melhor maneira de começar uma vida a dois.
2 - TRAGÉDIAS NA INFÂNCIA
Recém-casados tinham pouco tempo para aproveitar, porque sem qualquer método contraceptivo, as esposas podiam engravidar várias vezes. Embora a medicina estivesse melhorando, o nascimento de uma criança era perigoso, com a maioria dos bebês nascendo pelas mãos de mulheres sem qualquer treinamento. Se as mães não morriam durante o parto, elas provavelmente perdiam pelo menos um filho no nascimento ou nos meses ou anos seguintes. Em uma lápide na igreja St. Mylor, perto de Falmouth, há o registro da morte de seis filhos de Peter e Mary Wakem: Betsy em 1796 (2 anos e 4 meses); Susan em 1798 (6 anos e 6 meses); em dezembro de 1804 morreram James (12 anos), Thomas (7 anos e 6 meses) e outra Betsy (seis meses); e, por fim, Thomas em 1816 (4 anos). Muita tristeza.
3 - BUSCAR ÁGUA
Nas próximas 24 horas, observe o quanto você usa a água - para beber, lavar as mãos, cozinhar e assim por diante. Agora imagine que você está vivendo na época de Jane Austen, quando poucas famílias possuíam abastecimento canalizado. Ao invés disso, a água era buscada em um poço no jardim, em uma bomba nas ruas, em um córrego próximo, utilizando-se baldes pesados feitos de madeira e ferro. Se você fosse sortudo, empregados fariam o trabalho pesado para você. Inevitavelmente, muito menos água era utilizada, mantendo um padrão baixo de limpeza, higiene pessoal e saúde. Muitas pessoas deviam feder! Descrevendo uma dança, Harriet Wynne escreveu: "Nós mal podíamos respirar pois estava muito quente e o cheiro estava terrível".
4 - PERIGOS DE INCÊNDIO
A falta de água também era um problema quando incêndios ocorriam, uma situação comum considerando que a iluminação dependia de velas, as comidas eram preparadas com fogões abertos e salas eram aquecidas por lareiras abertas. Em temperaturas baixas, a tentação de se reunir ao redor do calor culminou em fatalidades causadas pelo fogo, casos muito relatados nos jornais. Em Dove Nest (Lake District), em 1810, a governanta Nelly Weeton ficou chocada com o que aconteceu com sua aluna de 10 anos, Mary: "Eu ouvi ela gritando de novo e, quando abri a porta, vi ela vindo em minha direção, as chamas mais altas do que sua cabeça". Embora ela estivesse enrolada em um cobertor, Nelly não conseguiu encontrar água na casa e Mary morreu pouco tempo depois.
5 - TRABALHO INFANTIL
A maioria das crianças não recebia educação na escola ou com uma governanta, mas simplesmente era colocada para trabalhar. O carvão era o principal combustível da época e as crianças de até cinco anos eram forçadas a descer nas minas de carvão. As condições eram brutais, perigosas e degradantes. Os homens cortavam o carvão, que era transportado em carrinhos ou trenós por crianças e mulheres. Acima do solo, o carvão era transportado para as famílias e para as indústrias pelo mar, rios e canais, mas nas ruas de Bath, a maior parte era entregue nas costas de cavalos cruelmente tratados.
6 - LIMPADORES DE CHAMINÉS
Mesmo no verão, o carvão era necessário para aquecer a água e para cozinhar. Uma pilha de fuligem pegava fogo facilmente, então chaminés eram regularmente limpas por meninos e meninas que escalavam os condutos estreitos com escovas e raspadores. As suas mãos, pés, joelhos e cotovelos ficavam ralados e a fuligem causava doenças de pele e câncer. Para manter as crianças pequenas o bastante para escalar os condutos, elas eram mal alimentadas. E também sofriam outras crueldades, como um menino reclamou: "Eu não tenho onde dormir a não ser em cima de sacos no chão. O que é pior é que nosso mestre não nos deixa lavar, a não ser uma vez por mês, então eu fico dolorido com a sujeira que entra na minha pele".
7 - MEDICINA DUVIDOSA
O conhecimento médico era primitivo e a maioria das pessoas preferia experimentar o cultivo de remédios caseiros ou algum dos muitos medicamentos vendidos livremente antes de consultar algum (caro) médico. O mundo da ciência se fundiu com da superstição e da sabedoria popular e a medicina frequentemente prometia curar uma grande variedade de problemas, desde vermes intestinais até doenças venéreas. Essas afirmações nos mostram os tipos de doença mais comuns. O artigo na imagem acima foi publicado em junho de 1817, um mês antes de Jane Austen morrer com apenas 41 anos. Nenhuma prática da medicina e nenhum médico foram capazes de curá-la.
8 - ODONTOLOGIA INCERTA
Dores de dente deviam ser terríveis e as pessoas com dores invariavelmente recorriam à extrações. Existiam poucos dentistas profissionais e não havia anestesia, então os dentes eram arrancados por um cirurgião local, um ferreiro ou um ferrador. O clérigo James Woodforde descreveu a extração de seu dente feita por um ferrador: "Meu dente me incomodou a noite toda, então levantei às 5 da manhã e fui até Reeves, um homem que extraía dentes na paróquia, e lá pelas 7 horas ele chegou e realizou a extração, mas fez isso terrivelmente mal. Ele quebrou um bom pedaço da minha gengiva e quebrou um dos meus caninos". Ele ainda adicionou: "Ele é muito velho, eu acho, para arrancar dentes, não consegue enxergar muito bem".
9 - CIRURGIAS CHOCANTES
A maioria dos procedimentos cirúrgicos realizados atualmente eram impossíveis naquele tempo, embora seja surpreendente os casos com os quais eles lidavam, como cistos, catarata e pedras na bexiga, bem como com a amputação de qualquer membro que estivesse arruinado demais para melhorar. Sem qualquer anestésico, a cirurgia precisava ser rápida. Havia muito pouco conhecimento das causas das doenças e nenhum conceito de higiene - o cirurgião podia dissecar um cadáver e depois (sem qualquer esterilização) usar o mesmo instrumento em uma amputação. Para aqueles que sobreviviam, a perda de um membro significava a perda do sustento. Muitos eram deixados desamparados e viviam como mendigos - como esse da imagem, pintado por John Thomas Smith.
10 - COERÇÃO
Trabalhadores e garotos saudáveis corriam o risco de serem tirados das ruas nos tempos de Jane Austen e serem forçados a se juntar ao exército. Estrangeiros não deveriam ser perseguidos, mas essa regra frequentemente era ignorada. Em Liverpool, em abril de 1810, um jovem marinheiro americano, Joseph Bates, estava esperando um navio para casa. Ao invés disso, seu alojamento foi invadido e ele, junto de outros colegas, foi capturado: "Nós trouxemos nossos protetores americanos, o que provou que éramos cidadãos norte-americanos. Argumentos não foram o suficiente para eles". Depois de quase dois anos no exército britânico, Joseph foi capturado e mantido como prisioneiro em uma prisão de Dartmoor quando a guerra de 1812 começou. Outros morreram no mar e nunca mais viram suas famílias.
11 - O CÓDIGO SANGRENTO
Muitos lugares tinham um espaço onde prender malfeitores até que eles fossem levados até um magistrado. Esse em específico (na imagem), em Castle Cary no condado de Somerset, tinha 2,10 metros de diâmetro, paredes espessas e uma porta dupla cheia de fechaduras. O aprisionamento, contudo, raramente era aplicado como punição. A maioria das prisões mantinha os delinquentes até o julgamento ou até que a punição em si fosse realizada, como serem transportados para a Austrália ou serem executados. A legislação criminal era tão severa que ficou conhecida como "o código sangrento", com a pena de morte sendo utilizada até para crimes mais brandos. Mesmo a tia rica de Jane Austen enfrentou uma possível execução quando foi acusada de roubar um laço em uma loja de Bath. Ela era quase certamente culpada, mas foi aliviada das acusações, provavelmente através de suborno.
12 - PUNIÇÃO DEPOIS DA MORTE
As leis severas e os costumes puniam as pessoas mesmo depois da morte. Com crenças religiosas levadas muito a sério, um enterro cristão decente era muito importante. Suicídio era contra a lei, e os corpos dos suicidas eram geralmente enterrados perto de estradas em terras de uso comum e não em terras sagradas. Antes de enterrar a pessoa, uma estaca de madeira podia ser enfiada no corpo (como nos filmes sobre vampiros) para impedir que o fantasma se levantasse. Aos corpos de criminosos executados na forca era negado qualquer enterro. Alguns deles eram entregues à cirurgiões para dissecações, enquanto outros eram enrolados em correntes de ferro e suspendidos em armações (como essa na imagem, em Inkpen - Berkshire) como um aviso para a população. Jane Austen viajou bastante pelo sul da Inglaterra e com certeza era familiarizada com a vista e o cheiro dos corpos apodrecendo.
13 - INJUSTIÇA DEPOIS DA MORTE
Em 1793, Robert Phillip foi enterrado ao redor da igreja St. Edmund em Kingsbridge, Devon. A inscrição no seu túmulo é um lembrete de que, mesmo na morte, a distinção de classes continuava viva. As classes mais altas eram enterradas dentro da igreja ou dentro de um cofre, enquanto jovens soldados mortos em batalha eram jogados em grandes covas e deixados sem nada, inclusive sem os dentes. Os ricos ficavam felizes em pagar por dentaduras feitas com esses dentes - e talvez eles ficassem horrorizados em saber que a maioria das dentaduras eram feitas com dentes de cadáveres roubados de cemitérios. Porque os pobres eram enterrados em covas rasas, eles eram a preferência dos ladrões, que abasteciam os cirurgiões com incontáveis corpos para dissecação. Se um corpo estava em estágio avançado de decomposição, os dentes ainda assim eram vendidos para dentistas.
Roy e Lesley Adkins são historiadores e os autores do livro "Jane Austen's England" (o livro promete revelar a verdadeira maneira de vida das pessoas que viveram naquela época) e publicaram o artigo acima no site.
Fonte: Huffingtonpost
Tradução e adaptação: Roberta Ouriques
parabéns que artigo interessante e de grande valia, pois muitas vezes só observamos os bailes, os namoros, o romance que na maioria das vezes naquela época nem existia, obg pelas informações.
ResponderExcluirEssa epoca e linda nos livros e filmes,na realidade deveria ser bem chato principalmente para as mulheres!A propria Jane deu uma adaptada para poder ter historia as Bennets eram bem soltas,andavam pela cidade,tanto e que a tia do Darcy,fica horrorrisa com a criacao delas.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirAmei o post! Eu adoro os livros de Jane Austen e romances de época, mas nunca tinha parado para pensar que, realmente, viver naquela época não era tão maravilhoso assim, especialmente para as mulheres! Acho que o que mais me mataria, com certeza, era ter que me casar forçada com alguém!
Beijos!
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Hehehe É verdade! A gente só se lembra do Mr. Darcy e dos bailes, mas se esquece de todo o resto.
ResponderExcluirBjos,
Rebeca